Saúde e fantasias
por Márcio Noronha
No último domingo pela manhã, fui caminhar com a família no Largo São Sebastião. Está virando uma prática bem prazerosa desbravar os espaços públicos da cidade neste dia. A atividade também tem servido de aprendizado.
Depois de muito brincar e correr pelo amplo calçamento de pedras portuguesas do Largo, meus dois filhos resolveram transformar o monumento de abertura dos portos em fonte de desejos. Fui ao carro, peguei um punhado de moedas e entrei na fantasia. Meu filho mais velho, de cinco anos, pediu para que as férias não demorem muito. Ele também pediu para o que o irmão, de um ano e cinco meses fale logo, para eles se entenderem melhor. Eu desejei saúde pra mim e para minha família.
Do alto da pequena escada que dá acesso ao monumento, olhei de relance para a frente do Teatro Amazonas. A rua que dá acesso ao local estava rodeada com cercas de metal, com pouco mais de um metro de altura. No meio das cercas, havia um rapaz. Ele estava sentado, de costas para o teatro, com uma câmera fotográfica no colo. Várias pessoas passavam e não o viam. A cadeira em que ele estava sentado tinha rodas.
Percebi que ele queria que alguém o fotografasse na frente do maior símbolo da nossa cidade. Fui até lá e perguntei se ele queria ajuda. Ele respondeu, com delicadeza: “Não quero ajuda. Quero que, se possível, você tire uma fotografia minha”. Engoli o nó na garganta e fiz a foto. Ele sorriu. Agradeceu e saiu. Foi explorar a praça com sua cadeira.
Às vezes a gente cega para as minorias e foca apenas nos problemas da maior parcela da sociedade, como se isso resolvesse o problema de todos.
Semana passada escrevi sobre as calçadas, do ponto de vista da falta de acessibilidade e da ausência de ação dos poderes públicos. Se é difícil para quem tem total condições físicas de locomoção, imagine para quem não tem.
Aquela velha praça ainda é uma exceção em Manaus, onde pessoas, cadeirantes ou não, conseguem se locomover sem muitos obstáculos, exercendo sua liberdade.
Pena que no resto da cidade não é assim. É comum ver a falta de respeito à acessibilidade aos portadores de necessidades especiais em todo o lugar: shoppings, prédios públicos, lojas entre outros, sem falar de nossas calçadas e do transporte coletivo.
É preciso arrumar Manaus para Copa, mas antes de tudo, é preciso arrumar a cidade para seus cidadãos – todos os seus cidadãos.
E aqui deixo mais dois pedidos: que nossa sociedade tenha saúde e que a fantasia de que cada um é auto-suficiente deixe de existir.
FONTE: DIÁRIO DO AMAZONAS,
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