JAIME LERNER: PERGUNTAS PARA MELHORAR A QUALIDADE DA MORADIA.
Qual é sua visão de cidade?
Jaime Lerner - A cidade é uma estrutura de vida, trabalho e movimento. Tudo junto. Todas as vezes que separamos as funções de uma cidade não acontece coisa boa. O melhor exemplo de qualidade de vida é a tartaruga. Ela tem com o casco, o abrigo, o trabalho e movimento tudo junto, além de apresentar o desenho de uma tessitura urbana. É possível imaginar que triste a tartaruga ficaria se cortássemos o casco, tendo que viver num canto e trabalhar num outro. Acabaríamos matando a tartaruga. É isso que a maioria das cidades está fazendo. É preciso que as cidades tenham uma estrutura construída com trabalho, lazer, moradia tudo junto. Quanto mais mistura houver, mais humana a cidade fica.
Que diretrizes são importantes para serem adotadas no planejamento de novos bairros ou cidades?
Lerner - Além dos problemas normais de saúde, educação, segurança, três pontos são fundamentais no planejamento da cidade: mobilidade, sustentabilidade e coexistência, ou seja, tolerância. Esses pontos são fundamentais para cada uma das cidades, como para toda a humanidade. Devemos viver mais perto do trabalho ou trazer o trabalho para mais perto. Isso vai ser fundamental. Os espaços devem ser planejados e de multiuso. Moradia junto à educação, comércio, serviços e locais para eventos culturais e esportivos.
Qual é a solução para os problemas de transportes nas cidades?
Lerner - Hoje, grande parte das cidades está congestionada e a demora para apresentação de propostas está tornando as soluções cada vez mais difíceis. Existe um problema de conceito, entre fazer investimento no carro ou no metrô. São Paulo tem 4 linhas de metro, mas 74% do movimento acontece na superfície. Temos que metronizar a superfície. Dar a superfície a mesma performance que o metrô. Fizemos isso em Curitiba. Qualquer que seja o sistema, ele tem ser bem operado. Em minha opinião, o conceito de mobilidade deve fazer uso de todos os sistemas sem que haja competição entre eles no mesmo espaço. Integrando um smart metrô, ônibus, táxis e bicicletas. O segredo de tudo isso é combinar os sistemas. Um exemplo recente é Paris onde a bicicleta inteligente foi transformada em transporte público. A tendência no futuro é não ter o carro como única alternativa. Isto não é ser contra o automóvel. É preciso melhorar a qualidade do transporte público e priorizá-lo nos percursos de rotina.
Qual o tempo necessário para que uma cidade apresente melhorias em seu sistema de transporte?
Lerner - Baseado na experiência, qualquer cidade no mundo pode melhorar significativamente a sua mobilidade em menos de três anos. Desde que se opere bem a superfície. Porque isto é fundamental para qualquer sistema. É preciso começar e fazer acontecer. As coisas só acontecem quando se começa e se faz.
Qual o papel da cidade diante dos atuais transtornos ambientais que o mundo atravessa?
Lerner - Hoje o mundo está preocupado com o câmbio climático, mas ninguém sabe o que fazer. Muitos pensam que a sustentabilidade está na utilização de novos materiais, que é muito importante, mas não é só isso. Muitos pensam que está nos Green Buildings, ou em novas formas de energia ou de reciclagem. É tudo muito importante, mas também não é só isso. Quando nos damos conta de que 75% das emissões de carbono se originam nas cidades é, portanto na cidade que temos que ser mais efetivos. Existem alguns compromissos fundamentais: um deles é usar menos o automóvel. As cidades vão ser obrigadas a se preparar para isso além de separar o lixo grande fonte de desperdício de energia.
No crescimento das cidades brasileiras assistimos de um lado a construção de condomínios ricos fechados e do outro a implantação de grandes conjuntos habitacionais estigmatizados. Como o senhor vê este cenário?
Lerner - Dois grandes equívocos. Não adianta ficar fechado e fazer um muro cada vez mais alto. Mais gente vai te esperar na saída. Sou a favor da diversificação. Da mistura de renda, de vida. Essa é a verdadeira segurança. A vizinhança diversificada é essencial. Isso é muito bom para a troca de serviços, para que as pessoas se conheçam. Essa coexistência é fundamental e contribui para a redução da violência urbana. Quando há a coexistência há menos violência. Há mais tolerância. Veja o Rio no seu tempo bom. O chefe da família que morava na favela trabalhava na construção civil ou prestava serviços na vizinhança. No momento em que se cortou essa relação, agravada pela droga, veio a violência.
FONTE: O Globo Online - RJ - MORAR BEM.
A entrevista foi maravilhosa! A comparação das cidades com a tartaruga foi perfeita.
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