Entrevista
com o arquiteto Jeferson Novolar, Presidente do CAU-PR.
Publicado
originalmente na Gazeta do Povo.
Deixar a
profissão do arquiteto mais próxima da sociedade e fazer com que esses
profissionais tenham mais voz diante das questões de planejamento do espaço
urbano está entre os objetivos do recém-criado Conselho de Arquitetura e
Urbanismo (CAU). A autarquia federal está em funcionamento há pouco mais de
quatro meses e entre as primeiras ações está a efetivação de uma “campanha” sobre
as atribuições do arquiteto. “Passamos mais de 70 anos junto com o conselho dos
engenheiros e agrônomos, e isso causou um sombreamento da nossa função. Por
isso, temos que mostrar às entidades e à sociedade quem somos e que o arquiteto
é o profissional do planejamento, que une a construção civil às necessidades da
população de um local específico”, comenta o presidente do CAU-PR, o arquiteto
Jeferson Navolar. Ele defende que, como autarquia, os arquitetos terão mais
possibilidades de interferir nas decisões políticas que envolvem desde a
pequena habitação até o planejamento urbano da cidade. “Precisamos trabalhar
firme para mudar a concepção de que é preciso comprar o projeto mais barato. O
Brasil é uma economia pujante, que já passou da fase de ‘país R$ 1,99’.
Precisamos fazer os governantes entender que projetos devem levar em conta a
qualidade e o planejamento a longo prazo”, explica. O presidente do CAU no
Paraná concedeu entrevista à Gazeta do Povo e falou sobre a migração de
informações entre o antigo conselho de que participavam e o novo grupo, que
está em processo de consolidação. Confira os principais trechos da entrevista.
Porque os
arquitetos quiseram se desvencilhar do Crea?
Quando
surgiram os conselhos profissionais, ainda na década de 1930, existiam três
profissões afins e com origem parecidas, a arquitetura, a engenharia e a
agronomia. As três estavam dentro do mesmo conselho, que era multidisciplinar,
numa proporção equilibrada. Mas, se analisarmos mais recentemente, as últimas
estatísticas que tivemos acesso, chegam à casa de 300 títulos profissionais,
dentro do mesmo conselho, porque as engenharias se especializaram, pelo avanço
tecnológico e pelo desenvolvimento científico. Houve essa opção clara de se
especializar e, por outro lado, a arquitetura e a agronomia se mantiveram
generalistas. Então, dentro de uma plenária que na década de 1930 era
paritária, hoje, com a situação de proliferação das engenharias, há mais temas
ligados a eles e o debate ficou desigual. Quase nenhum tema ligado à
arquitetura chega plenamente à sociedade. Esse foi o grande motivo que levou os
profissionais que iniciaram essa luta pelo conselho próprio: eles perceberam
diferença de escala entre a arquitetura e engenharias dentro do conselho e
desejaram então tomar as primeiras iniciativas nesse sentido. O executivo
percebeu a necessidade da classe e que os arquitetos já estavam maduros para
assumir o conselho. O CAU não vai agir em benefício do arquiteto, muito pelo
contrário, ele fará a defesa da sociedade combatendo o exercício irregular da
profissão. O texto que criou o conselho é uma lei moderna, que já considera o
Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, tem um capítulo específico
sobre a ética. Também já inclui a simplificação dos procedimentos, por meio da
tecnologia. Por exemplo, o sistema Confea/Crea é uma federação e cada estado
tem independência. Isso foi importante na época da criação do conselho. Mas
hoje, com a globalização, facilidade de troca de informações, isso não é
necessário. Por isso, o CAU é único e todos os estados compartilham os
procedimentos e o sistema.
A função
do arquiteto fica mais clara com a criação CAU?
Durante
esse trâmite, alguns chavões, algumas bandeiras foram ressuscitadas. Como, por
exemplo, a de que a arquitetura é atribuição de arquiteto. A sociedade hoje
confunde um pouco o que é ser arquiteto, o que é ser engenheiro, ou o que é ser
decorador. Há uma mistura no mercado e o sistema Confea/Crea tem dificuldade em
dizer o que é uma coisa e o que é outra. Com a efetivação do conselho e a lei
que o criou, a atribuição do arquiteto ficou mais clara. O resumo é que somos
treinados em fazer planejamento. Durante cinco anos, no mínimo, na graduação,
aprendemos a planejar, a projetar, desde a pequena habitação até o território urbano,
a gestão do espaço, é o que é a especificidade do arquiteto. É fazer
planejamento, com o uso de tecnologia e a busca das humanidades. Hoje, é
possível começar a separação do que se chama um sombreamento, existe esse
sombreamento entre as profissões de arquiteto e engenheiro. Convivemos mais de
70 anos, dentro do mesmo sistema, dentro da mesma plenária, e o sistema foi se
acomodando. Então é normal que exista essa confusão e vamos ter de conviver com
eles, por muito tempo, até que esteja tudo bem definido. Mas é só fora do
sistema que as diferenças vêm a tona.
Quais são
as primeiras ações do CAU, nesses quatro meses de existência?
Nós
estamos há quatro meses fazendo a campanha na rua, falando com as instituições
no sentido de conferir maior valorização à arquitetura. Além disso, estamos em
um momento de cadastro das informações dos profissionais, por meio de um
sistema, que é todo virtual, que pode ser acessado por todos.
E o que
essas mudanças significam?
É
economia, é racionalização da infraestrutura. Acho que são essas as vantagens
de um conselho recém-criado: a modernidade, a funcionalidade e a questão do uso
de tecnologia, para desburocratização.
Como está
sendo a desvinculação do Crea?
Essa é a
questão mais burocrática, que ainda está em formação e que levará mais de um
ano para ficar assentada. Os cadastros que usamos, tanto na eleição, quanto
para o nosso acervo, são aqueles que o Crea, de todos os estados, nos passou.
Isso está dando trabalho, porque cada Crea tinha um sistema e o CAU tem um
sistema nacional. É como se fossem 27 transições para um sistema único. Há
inconsistência e um segundo passo será a atualização desses cadastros, que vão
conferir mais qualidade nessas informações.
E
questões de fiscalização das obras? Pode haver duplicidade com o trabalho feito
pelo Crea?
Pois é,
esse impasse permanece. Como nosso sistema é federalizado, é único, nós vamos
ter de esperar decisões que venham da plenária federal. E essas decisões ainda
não foram tomadas. O modo de fiscalização do nosso sistema ainda está em estudo
e não foi implantado. O Crea e o CAU, no Paraná, já firmaram acordo para que a
fiscalização seja feita em conjunto, até porque eles não têm mais a obrigação e
nem o direito de fiscalizar os arquitetos. Mas o modo de fiscalização em
conjunto ainda não foi colocado em prática.
É
possível dizer qual é o objetivo do CAU?
É
desmistificar que a arquitetura é para quem pode pagar por ela. Todos têm
direito à arquitetura e é o poder público que tem de fazer isso, contratando o
profissional, porque a sociedade tem direito à arquitetura. E isso está até
previsto em lei, porque a assistência à população não pode ser só com relação à
saúde ou educação, mas também para a engenharia e arquitetura. Há os
“sem-projeto”, os “sem-arquitetura”. São aqueles que não têm janela no quarto,
que a fossa da casa está no lugar errado ou o banheiro não tem ventilação.
Essas pessoas também devem receber ajudar para adequar seus lares e melhorar a
qualidade de vida.
Fonte:
Gazeta do Povo.
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