Texto extraído do site mobilize.
Com os projetos de mobilidade propostos para o Brasil nos últimos anos, dois
modos de transporte coletivo foram alçados ao centro da polêmica sobre qual o
melhor transporte público para as cidades: o Bus Rapid Transit (BRT) ou o
Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
À medida que a Copa do Mundo e a Olimpíada se aproximam, a população se inteira
dos projetos que as cidades brasileiras estão implementando – ou buscando
implementar, e termos como “BRT” e “VLT”, agora popularizados, dividem atenção
com os já consagrados “ônibus”, “metrô” e “trem”.
Considerando o interesse pelo tema e as dúvidas que ainda persistem,
republicamos matéria produzida por Felipe Castro para o
Mobilize
Brasil. A reportagem buscou quatro especialistas para entender o que
existe além da diferença básica entre as duas siglas, e em que condições um
meio de transporte pode se adequar mais ou menos às necessidades de uma
determinada cidade.
Porque, sim, tanto o BRT – os corredores exclusivos de ônibus, ou Bus Rapid
Transit – como o VLT – o metrô leve de superfície, versão repaginada dos
antigos bondes, ou, Veículo Leve sobre Trilhos – têm suas peculiaridades e
diferem em termos de custo, impacto ambiental, articulação com a cidade e
outros aspectos (veja abaixo), apesar de, segundo os especialistas, terem
surgido de um conceito bastante parecido.
“O BRT nasceu de uma concepção brasileira do arquiteto e urbanista Jaime
Lerner [ex-prefeito de Curitiba], que o implantou em Curitiba e Goiânia. Ele se
inspirou na qualidade, na eficiência, na segurança do metrô”, explica o
engenheiro Otávio Cunha, presidente executivo da NTU (Associação Nacional dos
Transportes Urbanos). “Trata-se, basicamente, de um sistema de ônibus
biarticulados que rodam em canaleta exclusiva”, completa Marcos Antônio Nunes
Rodrigues, professor da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
E por que o BRT é diferente do sistema de ônibus convencional? Cunha
explica: “O BRT precisa ter a via segregada, exclusiva; garantir o embarque e
desembarque em nível na plataforma; apresentar velocidade comercial elevada;
assegurar o pagamento antecipado da passagem e providenciar informações aos
usuários através da central de controle operacional”, resume, elencando os
requisitos básicos para que um corredor de ônibus possa ser classificado como
um legítimo Bus Rapid Transit. “A rigor, no Brasil, só existem três BRTs: em
Curitiba (PR), Uberlândia (MG) e Goiânia (GO).”
E se o BRT é uma versão mais rápida do ônibus convencional, o VLT, por sua
vez, pode ser considerado um primo distante do metrô pesado. Nas definições do
consultor e especialista em transporte metroferroviário Peter Alouche, "o VLT é
um transporte sobre trilhos de média capacidade que não tem a via totalmente
segregada”.
Este sistema sobre trilhos remonta às características dos antigos bondes,
que circularam nas cidades brasileiras até os anos 1960. "O antigo bonde
ressurge aí com nova tecnologia, que permitiu veículos mais leves, econômicos e
silenciosos”, explica o arquiteto e professor do Instituto de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, Renato Anelli. “O
Veículo Leve sobre Trilhos é uma solução de menor impacto na cidade, em
projetos de vias feitos com mais cuidado."
Tanto BRT como VLT são modos de transporte que atendem uma demanda
intermediária. Ou seja, operam levando de 10 e 30 mil passageiros por hora e
sentido. Isso representa mais do que os ônibus convencionais e menos do que o
metrô pesado, este um transporte verdadeiramente de massa (
veja o quadro
abaixo).
Mesmo em se tratando de dois modos de média capacidade, cada transporte tem
seu ponto forte – e fraco. Para facilitar esse entendimento, o
Mobilize
Brasil partilhou a comparação entre BRT e VLT em seis tópicos:
1. Custo
O primeiro método de comparação entre os modos é o custo de implantação.
Para o superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP),
Marcos Bicalho, “BRT é mais barato e sua implantação mais rápida”. É que
a expertise para se criar os corredores, explica, já é familiar para o
brasileiro e as fabricantes dos veículos estão todas instaladas no país, não
havendo necessidade de se importar os ônibus.
De acordo com estudo de Peter Alouche, o custo do BRT é de R$ 30 milhões por
quilômetro, enquanto o do VLT chega a R$ 60 milhões por quilômetro de trilho.
A diferença se fez notar em Cuiabá, onde o valor estimado para a implantação
do BRT, primeiro projeto de mobilidade escolhido para a Copa do Mundo era da ordem
de R$ 435 milhões. Em 2011, as autoridades cuiabanas mudaram de ideia, e
conseguiram trocar os corredores de ônibus pelo VLT. Então, o valor subiu para
R$ 1,2 bilhão, quase três vezes mais que as linhas de ônibus.
A implantação de um BRT também é mais simples e menos demorada, conforme
explica o presidente da NTU, Otávio Cunha. “Você faz um corredor de BRT em dois
anos e meio, entre projeto básico, executivo e a implantação”, afirma, para
depois acrescentar que “um VLT não se faz em menos de 6 anos”.
2. Emissão de poluentes
Quando o assunto é a emissão de poluentes e o uso de energia limpa, o VLT
leva vantagem porque “polui zero”, explica Cunha. “Por ser tração elétrica, a
poluição é muito pequena.” Os BRTs, por sua vez, operam com diesel e emitem
poluentes.
No Brasil, porém, um sistema pioneiro de VLT vem se consolidando no estado
do Ceará com um tipo energético diferente. A Bom Sinal, também fabricante de
carteiras escolares, foi a empresa responsável pelos veículos do “Metrô do
Cariri”, como é chamado o sistema de VLT que liga as cidades de Crato a
Juazeiro do Norte. Apesar do empreendedorismo, os VLTs da Bom Sinal não
seguem o conceito de metrô leve europeu: os trens cearenses utilizam
eletrodiesel, e não tração elétrica.
Nem todos concordam. “No Ceará estão fazendo uma aberração”, reclama Otávio
Cunha. “É um contrassenso, porque são equipamentos altamente poluentes.”
Para o engenheiro civil, mestre em transportes públicos e professor da
Fundação Educacional Inaciana (FEI), Creso de Franco Peixoto, o problema não é
apenas a poluição. “As locomotivas a diesel geram curvas de ruídos que impactam
lateralmente. Então você teria que ter muros protetores”, diz.
3. Impacto ambiental e desapropriações
Segundo Otávio Cunha, “o espaço ocupado por um VLT e por um BRT é
rigorosamente o mesmo, em termos de largura da via”. Mas do ponto de vista do
impacto ambiental, Peixoto argumenta que “o VLT pede muitas vezes a construção
de viadutos e elevados, enquanto o BRT, por ser feito em cima da via, tende a
trazer impacto menor no ambiente urbano”.
Quanto às desapropriações, técnicos do governo do Mato Grosso argumentaram
que em Cuiabá o metrô de superfície ocupará faixa mais estreita na via do que
um corredor de ônibus, o que demandaria percentual 60% menor de desapropriações
do que o BRT.
4. Capacidade de passageiros
Apesar de um VLT ser maior do que um ônibus, sendo capaz de transportar mais
de 400 pessoas em uma única viagem – enquanto um ônibus articulado transporta
aproximadamente 270 –, mesmo assim o BRT acaba levando vantagem pela
versatilidade na hora da frenagem e ultrapassagem.
“Hoje, com os controles que se têm, pode-se operar um corredor de ônibus em
maior frequência, colocando veículos de 15 em 15 segundos”, explica Otávio
Cunha. “No VLT, isso já não é possível. O tempo de frenagem é demorado e ele é
muito pesado. Até parar e arrancar, ele precisa de pelo menos 3 ou 4 minutos
entre uma composição e outra.”
Em quantidade de passageiros transportados por hora e por sentido, o VLT
opera com 35 mil usuários por hora e sentido. Um BRT, no entanto, pode superar
os 45 mil passageiros/sentido, “marca que poucos metrôs do mundo alcançam”,
lembra Cunha.
Para o professor da UFBA, Marcos Rodrigues, no entanto, os dois modos se
equivalem quando o assunto é capacidade de transporte. “Tudo depende da
quantidade de paradas. Um BRT pode até transportar mais, se for biarticulado.
Mas o VLT pode agregar vagões de acordo com a sua necessidade”, afirma.
5. Integração
Para o superintendente da ANTP, “o ideal é ter uma rede de transporte
coletivo que opere de maneira articulada", ensina Bicalho. E, no quesito
integração com outros modais, em especial o metrô pesado, o VLT supera o BRT
com larga vantagem, garante Creso Peixoto: “O VLT integra melhor com o metrô”,
comenta, usando o exemplo de cidades como Londres, Madri e Bruxelas, onde as
composições de VLT se confundem com a malha do metrô assim que se aproximam do
centro.
6. Imagem e requalificação da cidade
Apesar de, em muitos casos, operar com veículos articulados ou
biarticulados, o BRT não beneficia a imagem da cidade como acontece com o VLT.
Segundo o professor da UFBA, Marcos Rodrigues, “a imagem da cidade melhora de
qualidade com o VLT - passa a ser positiva, mais dinâmica, moderna. E tira
muito mais pessoas do carro do que o ônibus, mesmo um BRT”, afirma.
Ele observa que “um veículo sobre trilho tem a capacidade de, a longo prazo,
estruturar mais e melhor a cidade, e também articular o espaço físico mais do
que um sistema sobre pneus”.
Marcos Bicalho tem opinião semelhante. O superintendente da ANTP reforça a
importância do VLT para o que ele chama de “requalificação urbanística” de uma
grande cidade. “Os modos ferroviários têm alguns apelos importantes do ponto de
vista de operação e urbanismo, como a requalificação urbanística.”
Noves fora, o equilíbrio na comparação dos especialistas entre os dois modos
– VLT e BRT - mostra que o importante é reforçar o apelo do transporte público
coletivo sobre o transporte particular. “Os ideais são importantes porque,
afinal de contas, é dinheiro que sai do bolso do contribuinte”, lembra Creso
Peixoto.
FONTE: mobilize