Espaços e objetos
Por Roberto Ghione*
Na definição da arquitetura e da
cidade, os conceitos de espaço e objeto marcam teorias e
mecanismos de atuação que merecem ser considerados para compreender a razão de
determinadas decisões que afetam a materialização dos edifícios e a
configuração urbana. Eles são muito mais que problemas operativos, são pautas
ideológicas que definem a consciência física e social do ato de projetar.
Nas cidades brasileiras em geral
diferencia-se uma estrutura que podemos chamar "cidade de espaços" -
aquelas derivadas da colonização portuguesa e da cidade liberal do Século XIX -
de outra que chamaremos "cidade de objetos", desde a influência da
modernidade até os nossos dias.
Nas primeiras, a configuração dos
espaços urbanos que possibilitam a convivência social determina a própria
produção da arquitetura e a relação hierarquizada entre monumentos
estruturantes e tecido acompanhante. O conceito de tipo arquitetônico - esquema
edilício consagrado culturalmente que, por repetição, define a estrutura da
cidade - está na matriz desse tecido urbano organizado em função do espaço
social.
Na cidade atual, esse conceito foi
substituído pelo de objeto abstrato e isolado, independente de uma
relação de pertencimento a determinado contexto físico ou social. O resultado é
a paisagem urbana de "cidade de objetos" autônomos, sem relação de
continuidade, agravado pelas características de exclusão e segregação social
que promovem.
O conceito de espaço leva
implícita a ideia de existencialidade na consolidação de um lugar:
espaço qualificado mediante a apropriação das pessoas. Em termos de projeto de
cidade, a ideia de espaço tende a ser de integração e congregação, enquanto que
a de objeto é de segregação e dispersão. Enquanto o espaço promove uma
realidade existencial, o objeto tende à abstração contemplativa. Enquanto o
espaço tende a socializar, o objeto tende a elitizar. Enquanto o espaço
materializa a cidade pela construção coletiva, o objeto é produto da inspiração
individual e autoritária.
Espaços e objetos compõem um
contraponto instigante para a decisão das intervenções. Formulam as estratégias
que decidem a cidade e a sociedade que queremos: cidade de espaços -ou melhor,
de lugares- para o convívio cidadão, ou cidade de objetos excludentes e
desintegrados; cidades que favorecem a convivência ou que estimulam a exclusão;
cidades para serem vivenciadas ou para serem circuladas; edifícios que promovem
o convívio ou que se fecham em estruturas defensivas; cidades abertas ou
fechadas; inclusivas ou exclusivas.
Espaços e objetos são muito mais que
formalizações urbanas e arquitetônicas: são estratégias de integração ou
exclusão social, são decisões que afetam a cultura e a convivência entre as
pessoas; são, em definitivo, a opção entre o modelo de cidade integrada e
civilizada ou de cidade decadente e excludente.
Na realidade das cidades brasileiras,
pensar espaços qualificados é pensar nas pessoas em convivência pacífica e
civilizada. Pensar objetos é pensar nas pessoas segregadas e isoladas em um
contexto defensivo que só estimula a violência.
A dicotomia exposta é uma generalidade
baseada na experiência da construção da cidade contemporânea que tem,
evidentemente, matizes que permitem detectar objetos carregados de
existencialidade. Porém, a cultura arquitetônica e urbanística brasileira
precisa refletir estes conceitos em função das cidades que queremos construir e
dos comportamentos sociais que elas promovem.
(*) Roberto Ghione é arquiteto e diretor do
IAB/PE
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