Concessão e Arquitetura de Aeroportos.
Por Fernando Serapião*, publicado na Folha de São Paulo.
Os problemas na concessão dos aeroportos
brasileiros foram reconhecidos até mesmo por integrantes do governo. Mas pouco
se tem falado na arquitetura dos terminais - e no consequente conforto.
Ainda no governo Lula, a Infraero
começou a projetar novos terminais, sempre seguindo as burocráticas e lentas
licitações.
Em Guarulhos, a licitação de
projeto foi vencida em 2009 por um consórcio de várias empresas projetistas - estrutura,
hidráulica, elétrica etc. Eles contavam com os arquitetos da
Biselli+Katchborian, um dos poucos escritórios brasileiros habilitados a
desenhar aeroportos.
A empresa, liderada por dois sócios
na casa dos 50 anos de idade, é uma das mais prestigiadas do país. Já tinha
ganho, em 2006, a disputa pelo desenho do terminal de Florianópolis (ainda não
construído). Por isso, a vitória na licitação em Guarulhos foi recebida
positivamente no meio arquitetônico, que percebeu a oportunidade de construir
um terminal interessante.
Após dois anos de labor, o desenho
foi apresentado publicamente, sem decepção: em forma de avião, o desenho do
terminal 3 não só era original por sua cobertura tecnológica, semelhante aos
encontrados em projetos high-tech, como reverberava o modernismo brasileiro.
Ciente da urgência, o grosso da
área construída utilizava elementos pré-moldados, deixando a sofisticação para
a porção visível. A presidente Dilma se entusiasmou, e o terminal foi detalhado
e entregue para a licitação da obra.
Mas eis que a Anac, ao preparar o
edital para a concessão, simplesmente desconsiderou o projeto coordenado pela
Infraero.
O edital transferiu para o
consórcio vencedor, Invepar, a decisão de construir ou não o terminal projetado
pela Infraero.
Mais que isso, incentivou o
sepultamento do desenho ao diminuir o padrão de conforto da nova construção (do
nível máximo, AAA, para C, dentro da nomenclatura de padrão de conforto de
aeroportos internacionais). Em outras palavras, a Anac permitiu que a operadora
entregasse aos brasileiros um terminal menos confortável.
Sem clareza, a concessionária
apresentou algumas imagens do seu projeto, suficientes para atestar a baixa
qualidade arquitetônica do desenho importado: quase uma rodoviária que, se
construída, perpetuará o desespero e a trapalhada governamental contra o caos
aéreo.
É importante lembrar o desperdício:
o governo está jogando no lixo um projeto de R$ 22 milhões, pronto para ser
construído. A baixa gerencia alegará que o governo arrecadou R$ 16,21 bilhões
com a licitação e que, nessa escala, o que foi para o lixo não é nada. Mas como
justificar aos eleitores?
A arquitetura deveria ser um item
estratégico para o país. Veja a Alemanha: eles aproveitaram a Copa do Mundo em
seu país para especializar algumas firmas de projeto em estádios. Resultado?
Nos mundiais seguintes, emplacaram 30% dos projetos na África e 41% no Brasil.
Além dos honorários, o pacote conta com especificações de produtos alemães, das
caríssimas coberturas de lona até cadeiras.
No que se refere aos aeroportos
internacionais, a arquitetura como estratégia de Estado tem outro sentido: os
terminais são as portas de entradas dos países. O filósofo francês Paul Virilio
acredita que eles representam hoje os antigos portais das muralhas das
cidades-estados. Se a civilização trocou grossos muros de pedras por edifícios
cristalinos, continua o simbolismo da entrada.
Entre dezenas de exemplos, em
Londres a precisão inglesa é vista em todos os detalhes, até nos parafusos; em
Paris, a graça francesa esta presente nos arcos de concreto da cobertura,
caprichosamente abauladas para baixo; e a luz filtrada por pequenas aberturas
na Cidade do México lembram-nos da delicadeza e da aspereza mexicana.
No fundo, é fácil impressionar com
um prédio mágico quem passou horas dentro de um avião. Além de ser mais
factível do que resolver as mazelas do país, perpetuar edifícios simbólicos
também eleva a estima nacional. Que o digam Juscelino Kubitschek e Oscar
Niemeyer.
FERNANDO SERAPIÃO, 41, é
crítico de arquitetura e editor da revista "Monolito".
FONTE:
Folha de São Paulo.