ESPAÇO E POLÍTICA, por Sérgio Maganhães*.
Estamos vivendo um momento de eleições municipais. Supostamente, os
problemas urbanos brasileiros estariam no centro dos debates. No entanto, não é
o que se vê.
A organização político-institucional brasileira estabelece três escalas
de administração, compostas pela União, pelos estados e pelos municípios,
distribuindo as competências segundo esse principio.
Nossos estados são diversos, em área, em economia, em história. Mas
todos tem responsabilidades iguais, tais como a segurança pública e o ensino
médio. Assim ocorrem com os municípios, a todos competindo as mesmas
atribuições, em especial as relativas à ocupação do território. Também o regime
eleitoral é o mesmo para todos os municípios, grandes ou pequenos, populosos ou
não.
No entanto, esta igualdade institucional que, em princípio, é louvável,
não é promissora em muitas situações. É o caso das grandes cidades. Nas
metrópoles, onde a complexidade urbana é enorme, o regime eleitoral pouco
contribui para o enfrentamento das questões espaciais, tais como a habitação, a
mobilidade e o saneamento.
Para o Legislativo municipal, votamos em um nome entre centenas. Não há
vínculos necessários entre o candidato e determinada região da cidade ou algum
tema urbano. Há poucas dezenas de vereadores representando vários milhões de
habitantes, onde os eleitos podem ter sido sufragados por apenas alguns poucos
milhares. Em países onde a urbanização é mais antiga, como a França e a
Inglaterra, os municípios são pequenos, permitindo uma representação mais
próxima. Na democracia, a relação entre representado e representante precisa
ser clara.
A igualdade entre competências municipais faz com que o prefeito de uma
grande cidade tenha atribuições gigantescas, porém, paradoxalmente, restritas e
parciais. Na mobilidade urbana, uma questão vital, limitam-se ao modo
rodoviário – e, assim mesmo, em parte. O sistema de trens e metrô não é de sua
competência; tampouco o de ônibus e vans interurbano. Logo, o projeto de
mobilidade para a cidade provavelmente será incompleto.
O prefeito de uma grande cidade, muitas vezes um colégio eleitoral maior
do que muitos estados, fica contido por atribuições deslocadas da realidade. Em
casos de cidades metropolitanas, que envolvem vários municípios, seria
indispensável uma representação política compatível. Ao prefeito da
cidade-núcleo, quase sempre a capital do estado, poderia competir algum
protagonismo político, sobretudo na articulação de ações metropolitanas. Como
hoje está, as cidades metropolitanas, em geral, não contam com políticas
integradoras.
Com vinte metrópoles e duas megacidades, onde mora quase metade da
população, nosso país precisa rever essa dimensão político-institucional e de
gestão das grandes aglomerações, núcleo estratégico do desenvolvimento
nacional. Conhecimento e inovação, binômio que está na base da economia neste
século 21, são essencialmente urbanos.
Sabemos que nossas cidades constituem nosso mais amplo e abrangente
patrimônio sócio-cultural. Contudo, também conformam um passivo sócio-ambiental
que é preciso enfrentar com determinação, recursos e planejamento – indispensáveis
para alcançarmos uma qualidade urbana compatível com a democracia e com as
exigências contemporâneas. A política precisa estar associada ao espaço.
* Sérgio Magalhâes é arquiteto, presidente da Direção Nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB.
Fonte: Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 06/10/2012.